18 fevereiro 2009

Não, a língua portuguesa não nasceu em Portugal não!

Para que se possa ter uma correta compreensão do tema faz-se necessário falar um pouco da história de Portugal. A história da Nação Portuguesa inicia-se com Dom Afonso Henriques filho do conde borguinhão Henrique, Conde de Portucale, e Dona Tereza, filha do Rei Dom Afonso VI, de Leão e Castela. A sua sagração cavaleiro, feita por si próprio (sagrar-se é simplesmente armar-se cavaleiro, ou seja, vestir a armadura, embainhar a espada e empunhar o escudo, embora eu não consiga imaginar como alguém pode fazer isso sozinho), à maneira dos reis, que o fazem por eles mesmos, vez que não prestam vassalagem a quem quer que seja, é momento emblemático do início do movimento de independência do Condado Portucalense (Portucale é a origem do nome da Nação Portuguesa. É interessante notar, que antes deste Condado existiu antes um outro, que sempre foi vassalo dos reinos que formaram a atual Espanha, tendo-se convencionado chamar-se esse condado de Condado de Portucale, para diferenciar-se do gérmen da Nação Portuguesa).

E já que se está falando do Condado Portucalense é interessante saber de que forma ele surgiu. O surgimento do Condado Portucalense ocorreu no contexto da luta contra o gentio mouro, que havia invadido a Península Ibérica e obrigado os reinos cristãos ali estabelecidos a recolherem-se à Cordilheira dos Pirineus. Figura importante neste quadro de reconquista é o Rei Dom Afonso VI, de Leão e Castela, que com o auxílio dos primos e Condes Borguinhões, dos quais o nome de um deles já foi mencionado, qual seja, Henrique, sendo o nome do outro Raimundo, casado com Dona Urraca, filha de Dom Afonso VI, de Leão e Castela, expulsou os mouros do território que irá formar o futuramente Portugal. O Condado Portucalense, o qual era vassalo do Reino de Galiza, entregue a Dom Raimundo, foi entregue a Dom Henrique. Referidos territórios haviam sido entregues pelo Rei Dom Afonso VI aos Condes em agradecimento pelo auxílio na luta contra os mouros. Em uma dessas reviravoltas da história o Condado Portucalense passou a prestar vassalagem diretamente ao Rei de Leão e Castela. Tal momento prepara o terreno para a separação definitiva do Condado do Reino da Galiza.

Terminado o parêntese acerca da história do Condado Portucalense voltemos à história de Portugal. Com a coroação de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, começa a história do Reino independente de Portugal e ocorre a separação definitiva desse do reino da Galiza, do qual foi vassalo. Cumpre frisar que o Portugal que se tornou independente corresponde apenas ao norte do atual Portugal, pois o sul ainda encontrava-se sob domínio mouro, fato que mais adiante servirá para destacar um aspecto interessante da nossa língua.

Terminado esse intróito acerca da história de Portugal, entra a pergunta, o português surge nesse contexto de independência? Dom Afonso Henriques ao declarar a independência de Portugal baixa um decreto criando o português do nada? A resposta é não.

A língua, que mais tarde se tornará a oficial do Reino de Portugal, já era falada no Reino da Galiza antes de ocorrer esse movimento político, que separou uma região que vinha unida a ele desde que o Império Romano fez a última reforma de suas províncias ibéricas. A reforma criou, na região que hoje abarca a Região Autônoma da Galiza, a de Leão e o norte de Portugal, a província da Gallaecia. Essa era dividida em três conventos, uma delas chamada bracara augusta correspondente ao norte de Portugal, outra chamada lucensis correspondente à Galiza e a terceira asturiensis correspondente à Leão.

A origem da língua falada na Galiza remete à queda do Império Romano e a instauração dos reinos bárbaros, entre eles o suevo, que passou a ocupar o território correspondente ao da antiga Gallaecia.

O idioma que irá mais tarde se chamar português nasce desse amálgama da cultura de origem românica e germânica e passa a ser falado nessa região. Não é preciso dizer, pois por demais óbvio, que o nome da Galiza vem do nome da antiga Província Romana. Assim, esquecendo, por um instante, as questões políticas, não surpreende que o nome do idioma fosse galego, pois tudo que é originário da Galiza é denominado com adjetivo galego. Todavia, como em nenhum lugar do mundo os fatos seguem separados da política, com o idioma não poderia ser diferente e a independência política de Portugal tendo como idioma oficial o galego, não poderia ter outra conseqüência que não tornar aquilo que era próprio da Galiza em marco da nacionalidade portuguesa, qual seja, o idioma. Por razões óbvias o idioma não poderia mais ser chamado de galego, mas sim de português, porque não convêm que o idioma de um Estado independente carregue qualquer nota que indique submissão, ainda que cultural, a nenhuma outra nação. Ainda mais uma pouco prestigiada como passou a ser a Galiza após a independência de Portugal.

Ressalto que o galego não é falado, na Espanha, vez que em Portugal é o idioma oficial, apenas na Galiza. O galego é falado também em Leão. E não deve causar nenhum espanto esse fato, vez que como visto o Reino de Leão, hoje região autônoma de Leão, está historicamente ligado ao Reino Suevo, pois fez parte dele, participando, portanto, do mesmo patrimônio cultural. Desse modo, poderia surgir o questionamento de por que não chamar o idioma de leonês, vez que esse Reino teve uma existência mais duradoura do que o Reino da Galiza. Pelo simples fato de que os adjetivos pátrios, em regra, derivam do nome do território em que se sediam os fatos denominados por essa categoria de palavras e não custa lembrar que o nome do território ocupado pelo suevos era Gallaecia. Assim chamar de galego o idioma dessa região é privilegiar uma reminiscência que remete ao Império Romano e assim preservar um patrimônio histórico antiqüíssimo.

Todavia, eu acredito que o nome do idioma não se perdeu de todo quando se criou o Reino de Portugal. Basta prestar atenção no nome do Reino. A parte final do nome evoca a Galiza e esse nome nada mais é do que a sua adaptação ao romance falado no Reino bárbaro Suevo do original Gallaecia, que por sua vez era derivado de gallo, o qual era a forma como os romanos chamavam todos os povos de origem germânica transalpina e que está na base dos adjetivos pátrios galego, galês, gálata, gaulês, galaico, gaélico (que nada mais são do que os celtas). Por outro lado, basta colocar o sufixo indicador de origem -ês- na palavra Portugal para perceber a proximidade entre o adjetivo pátrio que seria formado e o adjetivo pátrio designativo daquilo que é originário da Galiza. Ficaria mais ou menos assim: PORTUGALÊS. É preciso dizer mais alguma coisa? Se em vez do sufixo -ês- fosse agregado o sufixo -ego- ficaria ainda mais evidente a semelhança, pois ficaria PORTUGALEGO. Se isso fosse feito certamente seria realizada uma justiça histórica com o nosso idioma, pois o nome do idioma deriva do adjetivo pátrio. E de forma alguma seria ferido o brio nacionalista português. Há até a sugestão por parte de alguns grupos galegos reintegracionistas de chamar a região geográfica que vai da Galiza até Portugal de PORTUGALIZA. Isso não deixa de ser um interessante jogo de palavras, pois indica uma adesão da Galiza à Portugal, mas ao mesmo tempo uma galização de Portugal. Veja que em relação ao primeiro adjetivo pátrio sequer ele constitui uma novidade, pois tudo que é originário do Tirol (Cantão Suíço) é tirolês ou tirolesa. Se fosse usado o mesmo processo de formação do adjetivo pátrio para designar aquilo que vem de Portugal, a forma para aquilo que vem do Tirol seria tirês ou tiresa. Na verdade é muito estranho esse modo de formar o adjetivo pátrio daquilo que é de Portugal, visto que a palavra originária perde uma parte importante, qual seja, o final -al-. Para mim a única explicação é a busca de se desvincular o português (ou que tal PORTUGALÊS) do galego.

Voltando ao Reino de Portugal. Esse após a independência nunca se viu livre da ameaça dos reinos que mais tarde formariam a Espanha, tanto é que o Rei Dom Afonso Henriques, mesmo após a independência tornou-se vassalo do Rei de Castela e Leão para garantir o seu trono. Por outro lado Portugal continuou sua expansão para o sul, expulsando o mouro e talvez para garantir que tais territórios não fossem retomados o centro político de Portugal sofre um deslocamento para o sul, tornando-se, assim, a região mais importante de Portugal, de forma a consolidar cada vez mais o esquecimento acerca da origem minhota do idioma. Isso irá explicar um fato interessante do nosso idioma, que tem, como não poderia deixar de ser, uma pitada de política. Como disse, Portugal nunca se viu livre da ameaça de anexação pela Espanha, ensaiada na Batalha de Aljubarrota e concretizada durante os 60 anos de união pessoal entre o Reino da Espanha e Portugal. Tal fato alimentou o medo de uma assimilação cultural. Isso forçou os portugueses a realizarem um movimento de consonantização do idioma para diferenciá-lo do castelão (o idioma chamado de espanhol. Língua que em realidade não existe). A promoção dessa mudança foi patrocinada principalmente pelo centro político de Portugal localizado em Lisboa e que veio a caracterizar o sotaque que nós achamos que é o português. A consonantização do idioma português o diferenciaria do castelão pelo fato de que esse dá maior ênfase nas vogais. Tal fato marcou mais um distanciamento entre o português e o galego, ou português da Galiza. No entanto, isso não é tão determinante, pois os minhotos, embora o modo de falar deles não seja prestigiado em Portugal, permaneceram falando um português com maior ênfase nas vogais. E para alegria dos galegos, os brasileiros também falam um português bastante vocalizado, tanto que quando um galego chega ao Brasil não sente dificuldade nenhuma de compreensão.

Todavia, os percalços do galego-português não terminam com a separação do Reino de Portugal. Quando surge o moderno Reino da Espanha com o casamento dos Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, o galego sofre repressão que irá durar um período de 500 anos e mesmo assim não deixa de ser falado. Isso marca o aspecto inusitado da situação do português na Galiza. Enquanto em Portugal o galego é idioma de erudição, de cultura, na Galiza ele é um idioma de gente simples e ignorante, portanto, desprestigiado. Isso ocorreu pelo fato de que durante os 500 anos de repressão sofridos pela Galiza por parte do Reino de Castela, sede do poder central espanhol, a elite galega foi substituída por uma elite castelã. Essa elite, por óbvio falava castelão. Sendo assim, os únicos falantes do galego durante esses 500 anos foram as pessoas do povo, regra geral pouco instruídas. Ademais, foi proibido o uso do galego nesse período. Por essa razão não houve produção literária nesse período. Não sem razão esse período é chamado de anos escuros do português galego.

É interessante notar que por pouco a Espanha também não se torna um Reino Galegófono, pois durante séculos a língua culta da península ibérica (já que não faz sentido falar em Portugal ou Espanha antes que estes venham a existir) foi o galego. No entanto, isso mudou quando Afonso X ascendeu ao trono Castelão-Leonês (já nesse período tinha se concretizado uma união real entre os reinos), pois embora ele tenha prestigiado o galego, mandando compor famosas cantigas nesse idioma, ele tornou o castelão o idioma oficial do Reino, marcando o declínio daquele. É nesse contexto também que o galego recebe influência provençal. Um interessante documentário sobre esse tema pode ser visto na página da Televisão Regional da Galiza no endereço http://www.crtvg.es/tvgacarta/index.asp (língua de reis, língua do povo).

Assim, retomando o título, podemos dizer que o português nasceu no Reino bárbaro Suevo. Foi transmitido ao Reino Leonês-Galego (nessa ordem, já que o Reino de maior importância política foi o de Leão, sendo o da Galiza em maior parte de sua história um reino vassalo) que abrangia a região do atual Leão, Galiza e norte de Portugal. Por fim, foi aperfeiçoado pelo Reino do Porto (Portugal). Assim, o nome da nossa língua deveria ser PORTUGALEGO, pois tal nome teria a vantagem de destacar o importante papel do Reino do Porto no aperfeiçoamento do idioma, com a sua normalização, normatização e classicização, sem, no entanto, deixar que registrar que se trata da mesma língua falada no antigo Reino Suevo, visto que não houve mudança de estrutura significativa. Sugiro a quem quiser tomar conhecimento sobre o tema pesquise o período galaico-português ou galego-português.