07 outubro 2008

Divisas protegem as nações contra a crise?

O fato de um país ser detentor de ativos financeiros denominados divisas cambiais ou reservas financeiras, em altos patamares para os padrões de comércio internacional, protegem-no da crise econômica mundial?
Vamos a um exemplo trivial para tornar mais clara a questão. O barbeador Mach 3 da Gillete. Quem utiliza esse aparelho não sabe que está fazendo parte de uma sofisticada operação comercial. Como? Simples. Para a pessoa adquirir um cartucho de reposição do aparelho, após o que ela que está usando acabar, basta se dirigir a um supermercado. Por sua vez o supermercado para fazer a mercadoria chegar ao consumidor procura um distribuidor e esse por sua vez procura a Gillete do Brasil. Mas a coisa não termina aí não, pois se fosse o fim da cadeia seria uma operação comercial simples.
Se os meus caros leitores já prestaram atenção ao que está escrito na caixa do cartucho, verão que ele é fabricado nos Estados Unidos da América. Assim, a Gillete do Brasil compra da Gillete dos Estados Unidos da América os cartuchos de Mach 3. Fácil não?!
Só que a coisa não é tão simples quanto parece. Em primeiro lugar, essa operação comercial envolve relações entre estados soberanos. Por quê? Porque não existe uma ordem jurídica mundial e assim o comércio só pode se dar entre países ou nações que primeiramente estejam dispostas a isso, pois só assim os contratos celebrados terão validade. Em segundo lugar, essa operação comercial inclui uma operação cambial. Qual? Para comprar as coisas nos Estados Unidos da América é preciso dólar, pois lá eles não aceitam real. Eis aí a operação cambial. Além disso, ela constitui uma operação de comércio exterior, ou seja, não basta ter o dólar, eu tenho de achar alguém lá fora disposto a vender para alguém aqui dentro em vez de realizar essa transação em seu mercado doméstico e para que haja o dólar aqui tem de ter havido uma transação em sentido contrário daqui para lá.
Agora vamos ver de que forma esse exemplo se encaixa nos fatos que vem ocorrendo. Primeiramente, divisas só servem para regular a taxa de câmbio e serem utilizados no comércio exterior, ou alguém usa dólar aqui no Brasil para comprar no supermercado? Segundo, não é apenas a taxa de câmbio que influencia na determinação do preço da mercadoria importada, mas também a disponibilidade do bem no mercado externo. E qual é o quadro que se desenha no momento para a crise? Depressão de oferta. Assim não haverá no mercado exterior bens e serviços em quantidade suficiente para atender os mercados interno e externo. Temos assim que a presença de divisas não poderá conter a inflação dos produtos importados, sendo que o aumento do crédito neste caso terá um efeito amplificador dela.
Assim a presença de divisas não protegerá nenhuma nação da crise, pois no mercado externo, onde essas podem ser usadas não haverá bens e serviços em quantidade suficiente para atender a demanda interna dos países exportadores.
No caso do Brasil, no que se refere a produtos importados, sofreremos triplamente: com o aumento da taxa de juros, deterioração da taxa de câmbio e com a inflação no mercado externo.